sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Cegueira Bendita



Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e não saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!

Não vejo nada, tudo é morto e vago…
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenúfar dum lago
´Stendendo as asas brancas cor do sonho…

Ter dentro d´alma na luz de todo o mundo
E não ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus Irmãos, que triste sorte!…

E chamam-nos a nós Iluminados!
Pobres cegos sem culpas, sem pecados
A sofrer pelos outros 'té à morte!

Florbela Espanca

Conversa Imprória



Gritando, a VIDA manifestou-se:
" - A frustração é a véspera da desgraça."

Sussurrando, a MORTE manifestou-se:
" - Homem, quando desgraçado, apedreja os iguais."

Balbuciando, o mendigo manifestou-se:
" - A mulher não faz o homem."

Depreciando, a rameira manifestou-se:
" - E o homem, tampouco."

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

parece tranquilizante como chá de camomila.

mas é revigorante como café preto.

Fervente,

a ponto de queimar.

A.M.

A tradução de um gemido

Do hálito à axila...

estremeço e temo...

transgrido.

A.M.

Corporais



Incorporo você

poros

pelos

porra

pela pele da flor

pela orla da dor

encravada no prazer





Somos galáxias girando no vácuo

expremendo lirismos &lágrimas

decompondo as regras na medula



resplandescendo no crepúsculo



o entre-tom borrado, indefinido

banido das classificações cartesianas




cravamos cartas-punhais mutuamente


nos olhos

na boca


e no destilar da hemorragia

agimos entre vagidos

fugidios e fulgurantes


de um cio. de amantes.

A.M.

Corporais II - Criação Pictórica

Respiração suspensa

o antidilúvio

o quasedelírio




desejo engrossando desejo

desejo endossado


sexo inchado


pronto a te apunhalar



o colapso dos corpos

expandindo os lapsos de tempo



abraço partido em

braços

mãos

dedos



peitos pulsando

recôndito encontro

mal dito.



e uma despedida.


Despedida que, subvertida,
não se fará farta nem forte.

A.M.

antipoético ensaio

Tua voz melodiosa

dança nos meus ouvidos


e obscuro ...

...em silêncio ...


...vou dizendo ...

(com gestos e ações [co]medidas)

...com os olhos semi-abertos ...


é leve, não passa pela garganta; não é poluível por palavras. É bonito, tem bordas e pontas. E atravessa, extravaza, ecoa. Assusta, sem afugentar.










- mas, gosto de ti.
Mais: gosto de ti.

A.M.

Quatro Mãos ou Gênese Corporal

Perambulamos
sob a cintilância artificial dos postes
castigando a vigilância inquisitorial dos fortes
mãos entrelaçadas
lançadas em um soco cálido
tocar malicioso de carícias
enfrentamos chuvas, proibições,previsões
e
do vício do corpo,
tivemos o transparente vislumbre...
atenções, tesão, tentação:
e do pecado, se fez prazer.

A.M.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Pequeno Pássaro

Força estranha que entorpece
Que perpassa dois mundos
Te atravessa como flecha
Nos ares moribundos.

Como as ondas te debates
Contra a rocha que resiste
E aos poucos te retiras
Transformado pela terra. Oceano.

Foi-se o instante. Virou semente.
Abandonado, órfão e pequeno
Mas a terra o recebendo
Faz-lhe cravo, faz-lhe flor,
Faz alta árvore que cresce.

Os ventos todos percebendo
Giram forte e tuas folhas
Alcançam tontas distâncias.

Voas então com os pássaros
Brincas leve com o vento
Olhas a lua e ela é toda tua,
Em tudo em ti,
Em teu pensamento.

Mila Mariz