quarta-feira, 28 de outubro de 2009

maldito



No curso da vertigem, sangrei

na missa negra, orei.


o diabo me cuspiu, deu pão, esculpiu.


névoas tomaram minhas palomas desavisadas.


minha gargalhada sangrada cortou as copas das árvores, na floresta densa.


sou os vermes.

o vento.


corro seiva-bruta.


me sugam...


atinjo a mais alta nervura.

A.M.

abrindo as portas da percepção



do primeiro chute & choque,
você APRENDE com irremediável amadorismo
que letras e boleros
bulas e fábulas
nunca serão o bastante
Falas alheias - o contorno prometido - se transformam na muralha esburacada
por onde ratos se movem, como cachoeira
Ver, ouvir, sentir,
talvez gritar
e escutar o próprio grito, que não é gemido;
ter vivido tanto e mesmo assim não ter aprendido
que viver não é uma questão de conceitos,
campos de concentração das sensações
viver é um eterno rascunho ...
que não quer ser plágio.

A.M.

domingo, 25 de outubro de 2009

diálogo mínimo

Deitados a não se olhar, um interrompe:

- Tu já amou?

- Já...

- Como é?

(pausa seguida de suspiro)

- Imaginei.

domingo, 18 de outubro de 2009

meu Coração Não Escolhe por quem bater



De tempos em tempos
Eternamente
Homens de todos os tipos
De mulheres à crianças
Revezam-se na perdura constante
De preconceitos incessantes

Seria a ruína de nossa era
Ou réplica de passadas eras?

A condição de mortal
Assim como de animal
Não me foi escolhida
Nem por Deus regurgitada

Meu coração não escolhe por quem bater
Bate simplesmente
Irreverente
Minha máscara não oculta
Revela

Não sou homem seletivo
Quando apenas instintivo
E instinto cravado
Não pode ser contrariado

é Engraçado como a Melancolia Funciona



Vai tomando vigor dentro do ser
Desabrocha em instantes e não cessa
Não há euforia que alcance recesso
Senão progresso
Estado de morbidez inerte

Abraços de Navalha

Matina, cinco horas. O hálito desagradável que de minha boca saía tornou-se assim agradável para narizes acostumados quando, na beira da pia, cuspi uma mistura de saliva, água, pasta de dente e vestígios de uma noite mal dormida. Logo tirei todas as impurezas da noite anterior, meu corpo nu e a água corrente, mas nunca quente. Trajava marrom, não por acaso. Ao tomar um copo de leite, ressoavam em meus ouvidos os gemidos em pânico de vacas sendo açoitadas. Anfitriãs do mesmo leite, que poupado de seus delicados bezerros, resvalava desvairado em minha garganta quente.
Após amarrar os cadarços brancos de meu tênis vermelho-sangue, andei com precisão até a parada de ônibus. Na rua, pedras úmidas chocavam-se em desarmonia. Comparava suas formas geométricas às folhas desidratadas que se estendiam ao longo da rua estreita. Dentro do ônibus, vasculhei a mochila que trazia nas costas à procura de dinheiro. Alvoroçado, deixei meu isqueiro cair. Franzi a testa constrangido e fui ao encontro do mesmo. Antes de voltar à posição vertical, avistei duas pernas inquietas, desnudas e belas. Sentei ao lado da menina ruiva dos cabelos esvoaçantes, quais tentavam entrelaçar meu corpo como labaredas de fogo. E assim foi ganhando força minha paranóia matinal.
Na estação de trem, tirei um Neruda da mochila e fingi ler. Porém, a menina vulcânica dos cabelos esvoaçantes havia sentado justo em minha frente. Usava óculos negros que destacavam a pele clara, límpida fonte de sardas. Trajava uma saia azul, sapatilha escura e camiseta larga. Cruzou a longa perna e começou a balançá-la em minha direção; não sabia ao certo se atrás dos negros óculos, outro olhar me atravessava em lânguida paixão. Levanta, sigo-a com a cabeça. Ostento uma letargia ao passo que observo com pesar o amor (segundo Platão) esvair-se através das metálicas portas que em segundos fecharam-se.
A máquina veloz deixou-me em pleno Mercado Público, onde os odores dançavam freneticamente no denso ar, misturando-se em contrastantes cheiros que me afetavam por inteiro: peixes, ervas, frutas, camarão, gado, orégano e manjericão. Caminhei pelo centro apinhado. Após frações de tempo para alguns seculares, encontrava-me em meu destino. Fui logo acolhido como fruto maduro que é pego com todo cuidado e levado à boca com prazer. Minha euforia em tal local transcendia o próprio sentido da palavra. Tratava-se de uma orgia ilícita, entrega mútua e sensibilidade.
À noite, abraços e beijos, juras e despedidas. A hora de ir embora mostrava a face. Naquele mesmo dia, agora noite especial, saí embebido de alegria e peculiar auto-estima. Não foram as ruelas porto-alegrenses sujas e desertas que tiraram tal sentimento do meu peito.
Tropeço e caio, sinto o chão duro e gelado, agora em minha face colado. A voz grave do homem forte produz imediata adrenalina em meu corpo contraído. Levanto devagar, tremendo; porém sempre obedecendo. Era difícil responder às perguntas do homem inseguro, uma vez que a lateral de uma gelada navalha encostava-se em meu pescoço suado; não de suor, creia-me, mas de lágrimas. Tão compenetrado estava, demorei a enxergar o pau de madeira que ia ganhando altura nas mãos de um segundo homem de voz aguda.
Matina, sete horas. O sol pairava em minha janela tornando visíveis os diversos hematomas provocados na noite anterior. Ruim, era ter que senti-los. Pior, era ter que carregar o dia em que eles foram covardemente desferidos.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A Face Borrada



Calado e apático
Observava o fim
Da relação afetiva
Apocalíptica

Sobre minha passividade fria
Menina despencava

O lápis negro
Conduzido pela lágrima
Quente
Espalhado na face borrada